quinta-feira, 1 de agosto de 2024

CONTO: SEGUINDO EM FRENTE

Foto do site Pexels

Marcelo estava há duas horas conversando com as vizinhas dos tempos em que sua mãe era viva, isso há cerca de sete anos - não exatos, apenas um tempo estimado, vez que julgava nunca mais colocar seus pés naquele lugar. Achava que não mais poluiria sua visão com aquelas casas simplórias cujo interior conseguia ser pior: tudo modificado em relação à planta real, adaptado no improviso do poço grandioso dos infinitos achismos. 

Olhou a casa em que morou por tantos anos, até que ele e seus irmãos deixaram-na apenas para a mãe já viúva, mas nunca saíram de perto dela, pois moravam logo ali. Lembrou-se de quando era criança, da rua que era de terra, esburacada, da calçada constituída apenas pela elevação do território gramado. De muitas casas que nem existiam - eram apenas mato. Do veículo top da época: o cavalo!

Tudo lembrava o passado - a infância, a adolescência, a vida adulta e a sua consciência já madura lhe lembrando de seus cabelos e barbas grisalhos, e que deveria se afastar daquele lugar, para o seu próprio bem.

Assim que a amada mãe fechou os olhos, ele falou "amém" a essa linha de raciocínio. 

Os irmãos não o procuraram. Não após ver o casebre aonde anunciou (em uma rede social) morar. Não após ver as mesmas roupas velhas e tortas de sempre, os chinelos básicos, o arroz com feijão de todo dia sendo postado vez ou outra para se mostrar grato a Deus por ter aquela comida naquele dia.

Durante aqueles sete anos de solitude, foi capaz de ouvir no pensamento a voz de um deles:

- Não entendo porque deixar uma casa tão boa onde viveu a vida toda e conhece todo mundo, para se enfiar "nisso daí". Meu irmão não tem jeito mesmo. Quero nem saber se tem algum perrengue. Já bastam os meus problemas.

Após aquele tempo de conversa, os assuntos com as vizinhas foram se acabando e ele mesmo foi se cansando. Uma delas se ofereceu para chamar o Uber, mas ele alegou preferir pegar o ônibus, pois parava em frente à sua casa. 

- Você tá naquela casa, ainda? - perguntou a vizinha mais falante e carismática.

- Uma hora dessas, a gente combina alguma coisa lá, pra vocês conhecerem pessoalmente o lugar.

Trocaram meios de contato pelo celular - pois é assim que se encontram as pessoas atualmente, pelos aplicativos de celular - e se despediram com alegria naquela promessa básica de se virem novamente  em breve.

Após muito andar, passando por vários pontos de ônibus e não parando em nenhum, vendo-se bem longe dos arredores de onde viveu com sua amada mãe, Marcelo chegou a uma avenida e parou em frente a um estabelecimento comercial conhecido. Então apanhou o celular, abriu um aplicativo e chamou seu motorista particular.

Já durante o trajeto para o apartamento localizado no ponto mais rico da cidade, em meio à conversa com o motorista, onde contava como foram aquela horas com as amigas adoráveis de sua saudosa mãe, eis que ouviu da boca dele a pergunta:

- Por que não chama elas para conhecer o duplex? 

Marcelo não hesitou nenhum segundo ao responder:

- Demorei tanto pra conseguir sair daquele lugar... E ninguém nunca se importou em saber como venho me virando. Nada além de mera curiosidade. Quero não, meu querido! Quero não! Sabe quando voltarei a ver essas vizinhas de novo? Nunca. 

O motorista deu uma breve risada ao dizer:

- Olha! Nunca diga "nunca". Aprendi com a minha mãe.

- Pois é! Depois de sete anos, olha eu visitando esse povo. Nem eu imaginava.

- O que o patrão quer que eu faça, assim que chegarmos lá?

- Prepare a mamadeira, que logo tem Netflix!

O motorista sentiu uma certa animação enquanto avançava com o sedan já bem próximo ao duplex de Marcelo.

6 comentários:

  1. Fui lendo seu conto tentando imaginar quando encontraria alguma sacanagem homo. Ao ler sobre a "mamadeira" pensei comigo: "Este é o Fabiano!" Seus contos eróticos são uma especie de versão gay das putarias que o Marreta escreve.

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    1. Essa coisa de escrever sacanagem é algo em comum que temos.

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  2. Fabiano Caldeira sendo Fabiano Caldeira. Aí você pergunta o que eu quis dizer com isso, é simples. Você pode transitar por meio de alguns gêneros literários, no entanto seu habitat natural assim por dizer está na literatura hot. Você é perito neste tipo literário meu caro. Um feito para poucos. Sei que existem muitos autores(as) que escrevem sobre, contudo poucos o dominam. Você é um deles. O continho ficou ótimo. Aliás elogiar-te nesse campo erótico é como chover no molhado, não? Acho muito bom você expandir seu talento na escrita noutros gêneros. O livro O CAMINHANTE DA MADRUGADA é um bom exemplo do que expus neste comentário. Bom fim de semana. Abraço!

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    1. Gosto muito dos seus comentários, Luciano, e fico muito contente por me ler Um grande abraço, querido ❤️

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  3. É, achei o tema interessante. Esse negócio de voltar às origens sempre dá boas histórias, e confesso que tive que ler a última frase duas vezes para me certificar se eu tinha entendido...

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